quinta-feira, janeiro 2

Vida sua, caminho deles?

Aproveitando o início do ano, gostaria de falar sobre algo que há algum tempo me intriga: metas, objetivos, e a grande "Agenda do Bom Ser Humano". Se olharmos para as vidas das pessoas ao nosso redor, provavelmente nos depararemos com uma prevalência de certos desejos e conquistas. O diploma de graduação, a aquisição do primeiro carro, o sonho da casa própria, a romântica busca pelo cônjuge exclusivo e vitalício. Tudo isso, quando se para pra pensar, é suportado e estimulado pelo sistema e organização social presentes na nossa realidade.

Entretanto, quanto mais pessoas, lugares e experiências diferentes conheço e vivencio, mais acho estranho que os objetivos principais de uma coisa tão rica quanto a vida, que acontece num lugar tão infinito como o planeta Terra, sejam iguais pra todo mundo! Você já parou pra se perguntar se realmente comprar uma casa, ter dois filhos na escola particular, um cachorro e uma EcoSport realmente valem 50 anos de trabalho nos quais você poderia estar conhecendo outras maneiras de lidar com a realidade? 

Não me entenda mal, não estou aqui para condenar os seus sonhos. Se você realmente sonha em ter uma casa e construir uma família, pé na tábua. O meu objetivo é fazer você se perguntar se isso realmente é um sonho seu ou se sua grande meta é um reflexo das vidas ao seu redor. 

Por que não construir sua casa com as próprias mãos, ao invés de trabalhar 30 anos pra pagar o financiamento da construção desta? Será que um carro é realmente (se pergunte com honestidade, sem comparar para decidir), mas r e a l m e n t e uma necessidade? A ponto de valer a pena gastar uma quantia que lhe permitiria viajar pelo mundo inteiro, conhecendo novas culturas, pontos de vista, modos de vida, pessoas novas, grandes amizades e amores? Vale? Então tudo bem! Não vale? Então por que será que até então parecia uma idéia tão boa?

A questão é que, no momento mundial em que vivemos, o consumo é a lei, o conforto é o grande juiz e o temor o persuasivo promotor. Em outras palavras, está arraigado nas pessoas que a satisfação é obtida através do consumo. E que só o consumo e o conforto oriundo do mesmo nos fazem bem de verdade.

“You say, 'If I had a little more, I should be very satisfied.' You make a mistake. If you are not content with what you have, you would not be satisfied if it were doubled.” 

(Você diz 'Se eu tivesse só mais um pouquinho, estaria bastante satisfeito.' Está errado. Se você não está contente com o que já tem, não estaria contente nem se tivesse o dobro.)


O que Spurgeon defende, no entanto, é que se você se faz valer destas metas como ganchos para aguentar o desprazer de viver agora, na esperança de que quando sua casa estiver de pé, com carro na garagem, você vai se sentir bem e feliz e realizado... talvez você esteja errado.

Por cima de tudo isso, o grande fator do medo e da segurança reiteram a carência consumista, desencorajando aventuras e experiências desconhecidas. Claro, páraquedismo é uma aventura e mesmo assim custa montes de dinheiro... o objetivo aqui não é propagar um estilo de VIDA RADICAL nem te fazer virar o novo Mark Boyle, mas sim abrir os olhos para o novo, e para o conceito de real diversidade que existe quando falamos em objetivos de vida e maneiras de fazer valer essa experiência já nascida com data de validade. 

Muitas pessoas esperam pacientemente até que tudo esteja nos mínimos detalhes e haja extrema certeza de que seus próximos passos darão certo. O dinheiro é uma ferramenta importantíssima neste processo preparatório, e trabalhar mais alguns anos para que nada dê errado é uma solução que soa como sinos de cristal aos ouvidos da maioria das pessoas, especialmente aquelas que passaram por dificuldades. Isso é perfeitamente normal e aceitável. Na verdade, quem sou eu pra julgar como cada um conduz sua vida? 

O que eu acredito que pode ocorrer quando se vive assim, no entanto, é uma projeção da sua felicidade para o futuro; agora eu sofro, depois sou feliz. Na minha opinião (pra qual você pode perfeitamente não dar a mínima), está errado. Se você não está feliz agora, revise. Você pode sim se preparar para o futuro, mas guardar dinheiro para comprar o seu violão enquanto você trabalha em uma coisa que lhe faz bem é diferente de cursar medicina pelo dinheiro para poder casar com uma mulher pela beleza e comprar um carro pelo status quo. Pelo amor do Universo, revise. Não viva uma vida vazia por um objetivo vazio. Viva a sua vida, pelos seus objetivos. Não sabe quais são? Explore!

Quando realmente nos abrirmos e experimentarmos coisas novas, expandimos nossa consciência além do que imaginamos. Apesar desta frase parecer um descarado chavão, este é um conceito muito importante quando penso sobre explorar o novo, o desconhecido: é impossível saber como é viver algo antes de realmente vivê-lo. Você consegue imaginar como é saltar de um pier de 20 metros de altura direto no mar, mas jamais vai saber como é de verdade até estar no ar, desesperado por estar caindo a uma aparente eternidade e ainda não ter chegado na água. Dá pra ter uma idéia de como é viajar de bicicleta, mas só quando as picadas de mosquito já não importarem mais e dormir em cama for mais triste do que dormir em barraca, ao som da cachoeira onde Mamãe Oxum colhe lírios, é que se entende como a vida pode ser prazerosa além de banhos quentes e cerveja gelada... A gente, com 15 anos, imagina como é o sexo. Mas até você estar deitado na cama sob a janela aberta, olhando as estrelas e falando baixinho, cansado, suado, depois da melhor transa da sua memória...

Assim, o que eu proponho não é que você crucifique seu carro ou sua casa. Mas que você considere se os objetivos que você tem para si e que orientam sua vida são realmente seus. E que, caso não sejam, você não tenha medo de sair por aí, descobrindo, descobrindo, descobrindo... até descobrir. Tá com medo de te acharem vagabundo? Incompetente? Sem rumo na vida? Profano? Sonhador?

Xô te contar um segredo... Gente maluca é gente feliz :)